quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Projetos que buscam certificação de sustentabilidade devem pautar escolha de materiais por critérios técnicos e fugir de propaganda enganosa


O projeto de uma edificação com diretrizes sustentáveis, que almeja ou não algum tipo de certificação, deve considerar não só o desempenho da construção durante o uso e a operação, mas também a seleção de produtos e fornecedores com menor impacto socioambiental. Responsabilidade compartilhada entre a construtora e os projetistas, principalmente o arquiteto, a escolha dos materiais leva em conta tanto critérios relacionados às características da empresa fabricante quanto relacionados ao próprio produto.



Em projetos que almejam selos de sustentabilidade, a escolha das tintas imobiliárias para ambientes internos, por exemplo, deve considerar se o produto apresenta ou não grande concentração de substâncias tóxicas, como os compostos orgânicos volát
Para que os critérios de sustentabilidade sejam atendidos, Felipe Faria, diretor do Green Building Council (GBC) Brasil, considera imprescindível aos projetistas o entendimento do desempenho da edificação como um todo, de forma que isso se torne uma diretriz para a concepção dos projetos nas diferentes especialidades. Dessa maneira, acredita, as decisões vão além da mera substituição de materiais, e se baseiam na avaliação de como os sistemas e equipamentos interagem e interferem no desempenho da edificação. "Se faz necessário ter mais rigor na coordenação, desafiando o rol limitado de informação que norteiam projetos comuns", pondera.
A busca por profissionais com esse perfil no mercado não é, necessariamente, complicada. Pelo menos é o que afirma Francisco Caçador, diretor- superintendente da construtora WTorre. "Essa dificuldade existiu, mas foi superada e hoje é possível encontrar uma grande quantidade de projetistas de qualidade, aptos a desenvolver projetos sustentáveis", assegura. Para André Lucarelli, diretor de Negócios da Brookfield Incorporações, os profissionais devem ser capazes de justificar suas escolhas tecnicamente, sobretudo nos empreendimentos que buscam certificação. "Projetos para certificações sustentáveis sofrem adaptações e os projetistas devem entregar cálculos e demonstrações de todos os sistemas a serem adotados", explica. Como exemplo cita o caso de um projeto hidráulico, que deve considerar cálculos de reserva de água, consumo, comparações com sistemas convencionais etc.
Proximidade entre a obra e a fábrica dos materiais e insumos é um dos aspectos valorizados por sistemas de certificação de sustentabilidade, que pressupõe menor emissão de CO2 pelos caminhões durante o transporte
Para que tantas comparações possam ser feitas, é imperativo haver tempo hábil disponível, especialmente nas etapas anteriores à obra. Mas o processo é dificultado pela cultura de imediatismo e pela falta de comunicação prévia entre os diversos profissionais envolvidos na concepção, construção e operação de uma edificação.
Para Medeiros, da Inovatec, nem todo projetista precisa entender os conceitos de sustentabilidade, pois a maior parte das definições deve partir da concepção do arquiteto. "Por outro lado, se os especialistas forem ouvidos no momento certo, aquilo que foi concebido pode ser otimizado com vistas à sustentabilidade, seja na escolha dos materiais ou dos métodos construtivos", garante. "Se os projetistas, dentro de suas especialidades, não puderem opinar e contribuir no momento certo, o empreendimento sai da fase de concepção e entra na fase de detalhamento, ficando mais difícil fazer ajustes", alerta Medeiros.
Medeiros reconhece a importância dos critérios determinados pelas entidades certificadoras no sentido de quantificar e classificar parâmetros de forma organizada para as avaliações. "Os selos ajudam a entendê-los de forma mais sistematizada", diz. "Porém, a todo momento surgem alternativas e os projetistas podem criar soluções muito boas, mas que necessariamente não impactem de forma positiva na pontuação dos critérios que levam à certificação", pondera.
Como exemplo ele cita o fato de que, embora existam critérios de certificação que pontuam o uso de materiais regionais, não se pode negar os benefícios do uso de soluções construtivas importadas. "Somente um maior consumo local pode viabilizar a produção local e são estas tecnologias que vão permitir ajudar substancialmente a evolução de nossa construção", assegura. É o que acontece, ilustra, com fachadas ventiladas e vedações leves em steel frame. "É preciso projetar considerando a sustentabilidade lado a lado com essas possibilidades", argumenta Medeiros.
Análise do ciclo de vida do produto considera, entre outros aspectos, a geração de resíduos na obra e sua reciclabilidade
Ainda que sejam superadas as etapas de projeto, incluindo a resistência por parte de clientes e usuários acerca de tecnologias sustentáveis inovadoras, há, ainda, um outro obstáculo a superar. Apesar de não considerar difícil encontrar fabricantes e fornecedores capacitados nesse sentido, Caçador revela que a WTorre possui uma equipe de qualidade especializada em certificação e que faz avaliações e relatórios dos fornecedores.
Os créditos da certificação Leed, por exemplo, enfatizam a especificação de produtos fabricados com conteúdo reciclado, que consumam menos água ou energia na operação, que sejam produzidos na região da obra, que tenham baixa emissão de compostos orgânicos voláteis, entre outros aspectos.
Lucarelli revela que, na prática, apesar de existirem nichos mais bem desenvolvidos, como o de louças, metais e cerâmica, ainda há muito a se desenvolver. "O [mercado] de madeira, por exemplo, ainda representa um grande desafio", pontua.
Ele revela, ainda, que a Brookfield escolhe produtos que apresentam melhor desempenho e utiliza como base as especificações do próprio produto e fornecedor, "que normalmente são de grandes e já reconhecidas marcas". Ele destaca o caso do empreendimento Horizon Residence Premium, para o qual a incorporadora desenvolveu, em parceria com a fabricante, uma torneira específica para os requisitos de sustentabilidade ali adotados.
De olho na propaganda 
A escolha dos produtos e materiais de construção deve obedecer critérios técnicos, e pode seguir as recomendações de sistemas de certificação como o Leed e o Aqua. O especificador, porém, deve ficar alerta em relação a propagandas que destacam genericamente o valor ambiental do produto, mas pouco ou nada informam sobre suas características técnicas mais relevantes, prática conhecida pelo termo em inglês "greenwashing". Veja alguns exemplos listados pelo do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS):
- A propaganda omite problemas ambientais ou eventuais limitações do produto destacando apenas seus aspectos positivos
- O fornecedor não apresenta documentos de terceira parte que possam ser verificados para sustentar suas afirmações técnicas
- A propaganda oferece informações genéricas e imprecisas, que geram dúvida quanto ao real benefício ambiental do produto durante seu ciclo de vida. Exemplos: "Produto 100% reciclável", "Produto reciclado", "Produto ecológico", "Produto sustentável"
- A propaganda contém informações irrelevantes, que não contribuem para informar sobre o desempenho do produto. Exemplos: "tinta fabricada com pigmentos naturais" (a resina, os voláteis e os biocidas são normalmente os principais problemas ambientais desse produto)
- O fornecedor apresenta declarações exageradas, afirmações falsas ou apenas os resultados favoráveis. Exemplo: produtos de baixa durabilidade fabricados com 90% de matéria-prima reciclada
Dez critérios técnicos de sustentabilidade para seleção de materiais
Spiral Media/Shutterstock
- Consumo de água e recursos energéticos na fabricação
- Geração de poluentes na fabricação
- Redução de matérias-primas e uso de materiais recicláveis
- Distância entre a obra e a fábrica e procedência do produto
- Geração e gestão de resíduos na obra
- Economia de energia ou água na operação
- Durabilidade e facilidade de manutenção
- Reciclabilidade do produto e destinação pós-consumo
- Emissão de substâncias nocivas à saúde humana
- Legalidade e responsabilidade socioambiental do fabricante

Um comentário:

  1. Nos dias de hoje, em que, a ideia de sustentabilidade se encontra cada vez mais presente em nossa área de atuação, temos sim que nos preocupar com todos os pontos citados acima, de maneira que possamos realizar uma obra, ou qualquer outra serviço com total eficiência e ao mesmo sendo menos prejudicial ao meio ambiente (desde a extração para produção do material, até o descarte final, resíduos gerados, entre outros pontos).

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